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RECOMENDAÇÕES

Como discutir e implantar a licença parental no Brasil.

1. A licença deve ser unissex e flexível

O principal ponto da licença parental é que ela possa ser usada por ambos os pais, e não apenas as mães. Depois de um tempo para se recuperar da gravidez e do parto, coberto pela licença maternidade, qualquer genitor pode se responsabilizar pelos cuidados dos filhos. Cada família tem arranjos e realidades próprias, e estabelecer que apenas as mulheres possam se afastar do trabalho para cuidar dos bebês nem sempre é a alternativa que faz mais sentido.

 

Além disso, pressupõe que apenas as mães têm responsabilidades e deveres para com os seus filhos - e acaba perpetuando a divisão tradicional de funções já desde nascença. O importante é que seja dado aos pais a possibilidade de escolha. A divisão deve ser flexível também: se o tempo total da licença for de 8 meses, por exemplo, casais podem escolher dividi-la em 4 meses para cada, ou em 6 meses para uma pessoa e 2 para a outra, e por aí vai.

Apenas ampliar o período da licença maternidade não tem os mesmos efeitos da licença parental. Ausências muito longas, de mais de um ano, por exemplo, podem dificultar a inserção das mulheres no trabalho(1) e estimular a discriminação no ambiente profissional. Além disso, reforçam a divisão tradicional dos papéis de gênero - uma vez que é mais difícil estabelecer uma divisão de tarefas mais equilibrada depois que a mãe já se tornou a única cuidadora nos primeiros meses de vida do filho. "Se você olhar para os efeitos no desenvolvimento infantil e na participação da força de trabalho das mulheres, eu diria que um ano de licença parental remunerada é bom. Mas depois disso, deixa de ter o mesmo impacto", diz Katharina Spieß, professora de economia familiar na Freie Universität Berlin e no Deutsches Institut for Wirtschaftsforschung.

 

A licença parental não tira o direito das mulheres de ficar com seus filhos, apenas permite que as famílias possam escolher por si. Os pais, por sua vez, ganham a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de seus bebês - um dos momentos mais únicos da vida de qualquer ser humano - o que é impossível com os 5 dias previstos por lei atualmente. Os mesmos direitos devem ser estendidos para casais homoafetivos, pais adotivos e outras constelações familiares.

2. A licença deve ter um período exclusivo para homens

Essa é provavelmente a medida mais importante para a igualdade de gênero. Quando um país dá aos pais a possibilidade de escolher quem vai ficar em casa quando uma criança nasce, na maior parte dos casos, é a mulher que continua usufruindo do benefício. Mas, quando o estado dá um incentivo caso os dois pais tirem um pedaço da licença, a participação dos homens dispara.

 

Foi o que aconteceu na Alemanha, por exemplo. Em 1984, o governo permitiu que homens e mulheres tirassem a licença - mas pouquíssimos foram os pais que se voluntariaram. Até 2006, apenas 3% dos homens se afastavam do trabalho. Até que, em 2007, a Alemanha criou os “meses do parceiro”: dois meses a mais de licença remunerada, caso ambos os pais peçam o benefício. Se apenas uma pessoa entrar de licença, esse bônus é perdido. Rapidamente, os números dispararam: hoje, 36% dos homens ficam um tempo em casa. Não à toa, a medida costuma ser chamada de “cota para pais” ou “meses do papai”.  “Hoje, depois da reforma de 2007, podemos dizer que as normais sociais realmente mudaram para os pais na Alemanha”, diz a economista Katharina Wrohlich, do Instituto Alemão de Pesquisas Econômicas (DIW, na sigla em alemão). 

Na Suécia, onde a medida já existe desde os anos 1990, 90% dos homens tira licença parental. “Quando o governo criou os meses do papai, a participação dos homens disparou da noite para o dia”, diz Ann-Zofie Duvander, professora de demografia da Universidade de Estocolmo. Quando os índices chegam a números tão altos, empregadores podem pressupor que todos os trabalhadores se afastarão do emprego quando se tornam pais. Isso faz com que deixe de fazer sentido discriminar mulheres jovens na contratação de empregos, porque elas “trariam prejuízo” tendo filhos. Todo mundo entra de licença, afinal. Atualmente, a cota é de 3 meses na Suécia e o país estuda aumentá-la para 5. 

Parece que, maior do que a vontade de participar da vida dos filhos é a vontade de não ser passado para trás. A lógica aciona um sentimento comum a quase todas as pessoas: a aversão à perda. O ser humano prefere ter certeza de que não se deu mal do que apenas se dar bem. Todo mundo conhece essa sensação. Sabe quando você vê uma superpromoção de celular numa loja e fica na dúvida se deve comprar ou não? E aí vem uma pessoa e compra a última peça do estoque? Você nem sabe se realmente precisava de um celular novo, mas sabe que não queria ter perdido aquela oportunidade. Foi mais ou menos isso que aconteceu nos países que criaram as cotas de licença parental para os pais. E funcionou.

3. A licença

parental deve vir em sequência à licença maternidade

A licença parental não deve substituir a licença maternidade, mas existir como um complemento a ela. Reservar alguns meses de descanso para a mulher antes e depois do parto é essencial para garantir a saúde e a recuperação das mães - além de um ambiente favorável à amamentação dos bebês. Esse período de uso exclusivo da mãe, porém, não precisa ser extremamente longo e pode logo ser substituído pela licença unissex. Na Alemanha, são 6 semanas antes do parto e 8 semanas depois. Na Noruega, são 13 semanas obrigatórias de afastamento, e em Portugal apenas 6. É importante dizer que esse não é período total que as mães podem ficar em casa - apenas o obrigatório, dedicado à saúde da gestante. 

4. A licença deve ser 100% remunerada

No Brasil, apenas mulheres têm direito a um afastamento do trabalho (o que é ruim), mas elas ganham 100% do salário durante toda a extensão da licença (o que é bom). Continuar recebendo integralmente não é necessariamente o que acontece ao redor do mundo no caso de licenças parentais mais longas: na Alemanha, por exemplo, ganha-se entre 65% e 67% da renda durante a licença, com um teto de 1.800 euros (R$ 8200). Na Suécia, a licença é de até 16 meses com remuneração de 80% do salário(2). A recomendação, porém, é que todas as licenças sejam integralmente remuneradas(3). Isso evita, é claro, uma queda no padrão de vida e mais tranquilidade financeira para a família. Mas também incentiva a participação dos pais. No mundo todo, homens costumam ganhar mais do que mulheres (é a famosa diferença salarial entre os gêneros, que no Brasil é de 24%, e na Alemanha de 21%). Se a licença cobrir apenas uma parte do salário, acaba forçando o parceiro que ganha menos a ficar mais tempo em casa - ou seja, as mulheres.

5. Todos os pais devem ter direito
à licença

As licenças maternidade e paternidade só abrangem os trabalhadores contratados em regime CLT ou aqueles que contribuem voluntariamente para o INSS  - o que exclui mais de 40% da população economicamente ativa. Mas tanto trabalhadores na informalidade quanto desempregados precisam ter alguma segurança financeira quando da chegada de um filho. Na Alemanha, a licença parental também pode ser requisitada por quem não está empregado ou quem não contribui com impostos. Por lá, todos os pais podem entrar de licença e receber 300 euros ao longo de pelo menos 12 meses - um valor ainda bem abaixo do salário mínimo, por volta de 1.500 euros. 

6. A licença deve
falar de "cuidadores",
e não apenas de
mães e pais

Em 2015, apenas 42% das famílias brasileiras eram compostas pelo modelo de pais + filhos (uma queda de 8% desde 2005). Dezesseis por cento das famílias são compostas apenas por mulheres e seus filhos. Se olharmos apenas para os arranjos familiares com filhos, o quadro fica ainda mais acentuado, já que 26,8% são formados apenas pela mãe com os filhos. Ou seja, as mães são as únicas cuidadoras em uma em cada quatro famílias brasileiras (ainda que nesses dados estejam contidos filhos de todas as idades). Apenas 3,6% dos homens cuidam sozinhos de crianças.

 

Infelizmente, nem sempre sempre os pais estão disponíveis ou interessados em participar da criação dos filhos e, em termos práticos, faz sentido que se adote um modelo de “cuidadores” em vez de “genitores” para a licença parental. A ideia é que outros familiares ou pessoas próximas possam possam se ausentar do trabalho para cuidar da nova vida que chegou. Avós, é claro, seriam os principais beneficiados dessa alteração. Na Alemanha, por exemplo, avós podem entrar em licença parental se os pais das crianças tiverem menos de 18 anos, se ainda estiverem estudando ou também se nenhum dos dois entrar em licença. No caso de morte ou doença grave dos pais, outros parentes também podem pedir o benefício. A Suécia estuda ampliar o seu modelo de licença parental para qualquer pessoa indicada pelos pais, que assuma de fato os cuidados com as crianças.

7. A garantia de emprego deve ser estendida

Quase metade das mulheres no Brasil está fora do mercado de trabalho quando seus filhos completam dois anos de vida, geralmente por iniciativa do empregador (ou seja, porque foram demitidas). O pico de demissões acontece 4 meses depois do parto - justamente o fim da licença maternidade e da garantia de emprego. Para evitar que empresas esperem as mães voltarem ao trabalho para então demiti-las, o período de segurança empregatícia deve ser estendido, inclusive para além da duração da licença. Filhos de mães desempregadas correm mais risco de viverem na pobreza, estarem fora da escola e não terem acesso à saúde de qualidade. A inclusão dos pais no mercado de trabalho, combinada com programas de transferência de renda têm papel importante no desenvolvimento das crianças.

8. A licença deve vir acompanhada pela educação infantil universal

Manter os pais em casa e afastados do trabalho é muito importante para os primeiros meses de vida do bebê - mas, claro, não é a solução para o cuidado infantil. Passado o primeiro ano de vida, é importante que a criança possa frequentar a educação infantil. A família não deve ser a única responsável pelo cuidado com os filhos, e a volta ao trabalho remunerado só é possível com creches de qualidade para todos. 

Há uma correlação entre o acesso à educação infantil e a inserção de mulheres no mercado de trabalho: na Alemanha, por exemplo, um aumento de 1% na oferta de vagas de creches gera um crescimento de 0,2% de mães economicamente ativas(4). Parece pouco, mas é importante lembrar que um aumento de pessoas na força de trabalho significa um aquecimento na economia inteira. Em Quebéc, no Canadá, um programa inaugurado nos anos 1990 que criou creches para todas as crianças por um valor acessível fez com que a ocupação das mães de filhos com menos de 5 anos subisse de 64% a 80% em menos de 20 anos. O programa foi tão bem sucedido que o imposto pago por essas mães que entraram no mercado acabou sendo mais do que o suficiente para compensar o investimento inicial nas creches.

1. Markus Gangl and Andrea Ziefle, "The Making of a Good Woman: Extended Parental Leave Entitlements and Mothers’ Work Commitment in Germany," American Journal of Sociology 121, no. 2 (September 2015): 511-563.

2. KOSLOWSKI, A., BLUM, S., DOBROTIĆ, I., MACHT, A. and MOSS, P. (2019) International Review of Leave Policies and Research 2019.

3. VAN DER GAAG, N., HEILMAN, B., GUPTA, T., NEMBHARD, C., and BARKER, G. (2019). State of the World’s Fathers: Unlocking the Power of Men’s Care. Washington, DC: Promundo-US.

4. Müller, Kai-Uwe and Wrohlich, Katharina, Does Subsidized Care for Toddlers Increase Maternal Labor Supply?: Evidence from a Large-Scale Expansion of Early Childcare (August 2018). DIW Berlin Discussion Paper No. 1747. 

Neste e nos outros textos do projeto, a Alemanha é referenciada como comparação porque a pesquisa foi conduzida na Universidade Livre de Berlim, como parte do German Chancellor Fellowship, da Alexander von Humboldt Stiftung.

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