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O CASO
DO BRASIL

Nem todo mundo tem direito às curtas licenças que já existem no Brasil. O que levar em consideração na hora de discutir licença parental no nosso país.

Dados gerais

A licença maternidade é oferecida praticamente em todos os países do mundo, com exceção dos EUA, Papua Nova Guiné, Suriname e algumas ilhas no Pacífico Sul. Sua duração varia muito de país para país, e geralmente ela é bem remunerada: o mais comum é que a mãe continue ganhando o salário integralmente durante o período. Sua função é preservar o bem-estar e a saúde da mãe no fim da gravidez e no pós-parto, mas também garantir a segurança econômica dos filhos. Proteção ao emprego é uma das suas funções mais importantes, para que empregadores não possam demitir gestantes ou puérperas. A licença maternidade costuma ser obrigatória.

 

Já a licença paternidade existe em apenas 48% dos países - e em muitos deles, como é o caso do Brasil, não passa de poucos dias (no nosso, 5). Ela não foi criada para incluir os pais nos cuidados com o recém-nascido - serve mais como uma ausência remunerada para que o homem possa acompanhar a parceira no parto e nos dias que o seguem.

 

A licença parental é um período de ausência remunerada do trabalho, em sequência à licença maternidade, para qualquer pessoa que acabou de ter um filho. Sua duração varia de país para país, mas o importante é que seja unissex (possa ser tirado por mães e por pais) e flexível (os próprios pais decidem quem vai tirar quanto tempo e se irão tirar a licença concomitantemente ou separadamente). De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, 66 países já têm o benefício - na América Latina, apenas o Chile e Cuba entram na lista, porém. E seu uso está se expandindo: a União Europeia, por exemplo, recomendou a sua criação e em 2010 estabeleceu que todos seus membros tenham ao menos 4 meses de licença exclusiva para cada pai.

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O caso brasileiro

O Brasil ainda não possui licença parental. A licença maternidade é de quatro meses para as mulheres em geral ou de seis meses para funcionárias públicas ou contratadas por Empresas Cidadãs. (Empresas cidadãs precisam se cadastra no governo federal para oferecer a licença estendida e depois ter o valor abatido do imposto pago – mas apenas 12% das companhias brasileiras se registraram no programa). Da mesma forma, homens têm direito a cinco ou (dentro das mesmas condições acima) 20 dias de ausência remunerada quando seus filhos vêm ao mundo. É a licença paternidade. Mães adotivas têm os mesmos direitos das biológicos, sem flexibilidade para transferir o benefício para o pai, a não ser em caso de morte.

 

Durante a licença, as mulheres continuam ganhando o salário integralmente, sem teto para o valor, como acontece em outros países. As mães também podem escolher se entram em licença antes do nascimento dos bebês (a partir das 36 semanas de gestação) ou apenas depois - qualquer período tirado antes do parto será descontado depois. A licença maternidade no Brasil não seria curta em comparação com outros países - se, e apenas se, fosse seguida de uma licença parental. Da maneira como está prevista, com apenas 4 meses de afastamento do trabalho para a maioria dos casos, impossibilita inclusive o período de aleitamento exclusivo indicado pela Organização Mundial da Saúde, que é de 6 meses.

 

No caso dos pais, as expectativas sociais e o medo de represálias no trabalho fazem com que a maior parte dos homens simplesmente não tire os dias de afastamento. Apenas 32% dos homens empregados, com direito à licença paternidade, ficaram os 5 dias garantidos por lei em casa - e menos de 1% deles fica 20 dias, o máximo permitido por lei, no caso de Empresas Cidadãs e de funcionários públicos(1). 

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Há diversos recortes de cor e classe que tornam a maternidade no Brasil - e a discussão sobre licença parental - especialmente delicada. Primeiro, porque não são todas as mães que têm direito a se afastar do trabalho para cuidar de seus recém-nascidos, com remuneração e vínculo trabalhista garantidos. As licenças maternidade e paternidade no Brasil só abrangem os trabalhadores contratados em regime CLT ou aqueles que contribuem voluntariamente para o INSS – o que exclui mais de 40% da população economicamente ativa. Desempregadas apenas têm direito ao benefício até um ano depois do término do último contrato de carteira assinada ou então do seguro-desemprego. 

 

A questão é que o trabalho com carteira assinada não está distribuído de forma igualitária pelo Brasil, e é menos comum para mulheres negras, indígenas e trabalhadoras rurais - que acabam formando a maior parte das brasileiras. De fato, a população negra é a que está mais sujeita ao trabalho sem CLT: 47% dos trabalhadores pretos e pardos estão na informalidade, contra 34% dos brancos.

 

O Brasil também tem outra particularidade importante em relação ao trabalho feminino. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, somos o país com o maior número de trabalhadores domésticos do mundo: são 6,2 milhões, dos quais 5,7 milhões são mulheres. Essas, como se sabe, vivem em boa parte na informalidade: 71% das domésticas não são registradas, afinal. De novo, a prevalência de mulheres negras nesses trabalhos é desproporcionalmente alta. Além disso, em momentos de crise econômica – como a que estamos vivendo agora no País – são elas as que ficam mais vulneráveis ao desemprego: para cada aumento de 1% na taxa de desemprego do país, o índice sobe 1,5% para mulheres negras(2). 

 

Tudo isso apenas mostra que é impossível discutir licença parental no Brasil sem olhar para os recortes de raça e classe. Políticas públicas devem e precisam levar essas particularidades em consideração, em vez de apenas copiar modelos de países com realidades distantes da nossa. Como escreve a filósofa e pensadora do movimento negro Sueli Carneiro:

 

Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas… Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! (...) Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de mulher? Fazemos parte de um contingente de mulheres para as quais os anúncios de emprego destacam a frase: “Exige-se boa aparência”(3).

Mas quem é que tem licença no Brasil?

Quem quer

segurar o bebê?

Mas também é difícil discutir a participação paterna da criação dos filhos no Brasil, onde cinco e meio milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Uma pesquisa da consultoria Ipsos e King´s College apontou que 26% dos brasileiros acreditam que cuidar de criança torna os homens “menos homens”. Por outro lado, 59% acreditam que os empregadores deveriam facilitar para que os pais possa conciliar carreira com filhos.

 

Em 2015, apenas 42% das famílias brasileiras eram compostas pelo modelo de pais + filhos (uma queda de 8% desde 2005). Dezesseis por cento das famílias são compostas apenas por mulheres e seus filhos. Se olharmos apenas para os arranjos familiares com filhos, o quadro fica ainda mais acentuado, já que 27% são formados apenas pela mãe com os filhos. Ou seja, as mães são as únicas cuidadoras em uma em cada quatro famílias brasileiras. Nem todas essas crianças, claro, estão no primeiro ano de vida: 88% das crianças entre 0 e 4 anos têm dois adultos responsáveis em sua vida – que não necessariamente são pais e mães biológicos(4). Incluir apenas os genitores na discussão da licença parental não abrangeria a realidade de uma grande parcela da população brasileira. 

 

Assim, faz sentido que se adote um modelo de “cuidadores” em vez de “pais” para a licença parental, para que outros familiares ou pessoas próximas possam se ausentar do trabalho quando do nascimento de um bebê. Avós, é claro, seriam os principais beneficiados dessa alteração. Na Alemanha, por exemplo, avós podem entrar em licença parental se os pais das crianças tiverem menos de 18 anos, se ainda estiverem estudando ou também se nenhum dos dois entrar em licença. No caso de morte ou doença grave dos pais, outros parentes também têm direito ao benefício.

 

Na Alemanha, a licença parental também pode ser requisitada por quem não está empregado ou quem não contribui com impostos – uma solução, por exemplo, para as altas taxas de informalidade no Brasil. Por lá, todos os pais podem entrar de licença e receber 300 euros ao longo de pelo menos 12 meses - um valor ainda bem abaixo do salário mínimo, por volta de 1.500 euros. Em outros países também há o entendimento de que os cuidados de um bebê pequeno podem causar uma queda na renda familiar e menos disponibilidade para o trabalho. Faz sentido que o benefício seja estendido para todos os cidadãos que tiveram filhos, independente de estarem contribuindo ou terem trabalhado recentemente. Trazer novos cidadãos ao mundo – e garantir seu bem-estar – também é de interesse do estado.

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Ao longo dos últimos anos, decisões judiciais foram estendendo os benefícios para grupos até então excluídos. O importante nessas decisões esporádicas não são as pequenas mudanças em si - mas a possibilidade de jurisprudência que elas abrem em casos futuro. Entre elas, tivemos:  

 

  • Pais em relacionamentos homoafetivos podem pedir a licença, mas apenas um parceiro/a poderá ser beneficiado.

  • Um homem que, sozinho, resolve adotar um filho tem direito à licença maternidade.

  • Em 2018, houve um passo que parece pequeno, mas que abre a possibilidade de incluir outros cuidadores na licença que não sejam apenas os genitores. A Câmara dos Deputados aprovou que avós possam requerir a licença paternidade para si nos casos em que o pai da criança não for conhecido. 

  • Outro passo importante rumo a um direito de parentalidade é a possibilidade de o pai adotivo entrar em licença no caso de desemprego da mãe - pais biológicos ainda não tem essa opção.

 

Diversos projetos de lei tentando criar a licença parental também já foram apresentados no Congresso. A maior parte delas prevê um impacto pequeno sobre as contas do País, já que não propõe uma extensão da licença, apenas uma flexibilização de quem poderá se usufruir dela. Um modelo favorito para as PECs é que os primeiros 3 meses da licença continuem sendo de uso exclusivo da mulher e os últimos três possam ser divididos entre ambos os pais. Isso, claro, seria uma boa notícia. 

 

 

1. VAN DER GAAG, N., HEILMAN, B., GUPTA, T., NEMBHARD, C., and BARKER, G. (2019). State of the World’s Fathers: Unlocking the Power of Men’s Care. Washington, DC: Promundo-US. p. 33

2. FOGUEL, Miguel. FRANCA, Maria Penha. A sensibilidade do desemprego às condições da economia para diferentes grupos de trabalhadores. In: “Mercado de trabalho : conjuntura e análise / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Ministério do Trabalho”, 2018

3. CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: ASHOKA EMPREENDEDORES SOCIAIS; TAKANO CIDADANIA. (Orgs.). Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Editora, 2003.

4. Aspectos dos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade : 2015 / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. – Rio de Janeiro : IBGE, 2017.


 

Neste e nos outros textos do projeto, a Alemanha é referenciada como comparação, porque a pesquisa foi conduzida na Universidade Livre de Berlim, como parte do German Chancellor Fellowship, da Alexander von Humboldt Stiftung.

A mudança que a gente quer ver

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