AS VANTAGENS DA LICENÇA PARENTAL
Tem pra todo mundo.
Para os homens
PESQUISAS MOSTRAM QUE PASSAR UNS MESES EM CASA COM UM RECÉM-NASCIDO DEIXA MARCAS DURADOURAS NA VIDA DOS HOMENS. PRINCIPALMENTE NO EQUILÍBRIO ENTRE TRABALHO E FAMÍLIA.
É impossível enumerar, usando apenas análises “científicas”, os ganhos que um homem tem ao acompanhar o desenvolvimento do seu bebê. Quanto vale estar presente no primeiro banho? Qual é o valor de conhecer profundamente o próprio filho? Como se mede uma experiência humana como essa?
De um modo geral, pesquisas que focam no homem mostram que a vivência de passar uns meses em casa com um recém-nascido deixa marcas duradouras na vida dos homens, principalmente no que se refere a mudança de prioridades e na conciliação entre trabalho e vida pessoal. A maior parte dos pais que tira a licença relata uma conexão maior com seus filhos que resiste por anos.
Na Alemanha, um em cada quatro pais que tirou licença resolve diminuir a carga horária depois que volta ao trabalho(1). Isso porque, durante a licença, eles passaram a se ver como pessoas “ativas” na criação do bebê, e não apenas como auxiliares da mãe. Outra análise canadense mostra que homens que ficam com seus bebês desenvolvem um senso de responsabilidade e habilidades parentais diferentes daqueles que voltam imediatamente ao trabalho(2). Uma pesquisa americana mostrou que as chances de o pai estar presente durante toda a infância dos filhos são maiores caso o homem tenha acompanhado de perto a gravidez da companheira e os primeiros meses do bebê(3).
No Brasil, 82% dos homens dizem que fariam “qualquer coisa” para poder estar presente nos primeiros meses de vida de seus filhos, e 9 em 10 acreditam que trocar fralda, dar banho e alimentar os filhos não são apenas responsabilidade das mães, mas deles também(4). Ou seja, a criação da licença atenderia a uma demanda dos homens também. A paternidade - assim como a maternidade, aliás - é feita de rotina, constância, presença e disponibilidade. A licença paternidade não gera automaticamente bons pais - apenas dá as condições para que esses bons hábitos sejam criados. O que não é pouca coisa.
Para as crianças
As crianças são as grande beneficiadas pela licença parental. Em vez de ter apenas a mãe em casa, elas passam a ter duas pessoas com disponibilidade e tempo para dar carinho, criar relações afetivas e botar a mão na massa nos cuidados. Isso, é claro, vale para quaisquer duas pessoas: um pai e uma mãe, uma mãe e uma avó, um pai e uma tia, dois pais etc. Mas, como estamos discutindo o acesso da licença parental para homens em relacionamentos heterossexuais, é para eles que vamos olhar aqui.
Até pouco tempo atrás, imaginava-se que os pais não tivessem muita influência no desenvolvimento dos filhos, não porque fosse isso o que os estudos apontavam - mas, sim, porque simplesmente não havia pesquisas analisando os efeitos de uma paternidade ativa. Um estudo conduzido na Universidade do Sul da Flórida, que analisou 547 artigos publicados em revistas de psicologia, constatou que apenas 2% deles focavam nas influências que a figura paterna podiam trazer à vida de seus filhos. Todos os outros olhavam para as mães. É como se a presença deles não fosse importante(5).
A verdade, porém, é o exato oposto. Já foi constatado que pais exercem influência positiva em quase todos os aspectos da vida de seus rebentos: na saúde, na inteligência, no ajuste emocional, nas relações sociais, no desenvolvimento da fala, na vida acadêmica e até na saúde mental dos seus filhos(6).
Uma pesquisa feita no brasileiríssimo Vale do Jequitinhonha, por exemplo, indicou que a mera presença do pai dentro de casa é benéfica para a amamentação de recém-nascidos. Em famílias nas quais pai e mãe não residiam na mesma casa, o risco de interrupção precoce do aleitamento materno era 1,6 vezes maior do que nos lares em que os pais estavam presentes(7), já que eles serviam como apoio para as mães. Ainda olhando para bebês, só que do outro lado do mundo, pesquisadores de Israel resolveram investigar o que acontecia quando os pais também participavam dos cuidados noturnos dos seus recém-nascidos, dando mamadeira ou acalmando seus filhos. Aos 6 meses de idade, filhos de pais envolvidos (aqueles que botavam os bebês para dormir e que iam de noite acolhê-los) dormiam com menos interrupções do que as crianças que eram cuidadas apenas pelas mães.
Efeitos benéficos também foram constatados em testes de leitura e de aprendizado de crianças de 2 anos de idade(8). Um estudo de 2007, feito na Universidade Maryland com famílias de baixa renda, mostrou que filhos de pais participativos se davam melhor quando os pais (homens) liam para seus filhos aos 6 meses de idade. Quanto maior o tempo de leitura dos homens, maior era o vocabulário da criança aos 3 anos. O efeito da leitura dos pais era inclusive maior do que a das mães(9).
Mas os estudos mais direcionados à licença parental vêm, é claro, dos países nórdicos, onde a medida existe há décadas. Uma pesquisa da Universidade de Uppsala, na Suécia mostrou que a presença dos pais nos primeiros 12 meses de vida fazia com que seus filhos homens tivessem menos problemas comportamentais ao longo da vida escolar e que suas filhas mulheres apresentassem menos doenças mentais, como depressão, muitos anos depois(10). Em termos de cuidados, duas pessoas engajadas sempre serão melhores do que uma.
Ao longo da vida, as mulheres são as mais impactadas pela chegada de um bebê - e não necessariamente de forma positiva. Diversas pesquisas já comprovaram a existência da penalidade materna, uma queda significativa no salário de mulheres que coincide com o nascimento do primeiro filho. Há muitos motivos para que isso aconteça: declínio na produtividade, discriminação por parte dos gestores, perda de disponibilidade, a escolha por empregos com horários flexíveis (e pagamentos mais baixos). O tamanho da penalidade oscila muito. Há estudos que dizem que cada filho causa uma queda de 7% na renda da mulher(11), outros afirmam que a perda acumulada ao longo dos anos pode chegar a 60%(12). Fato é que cuidar de filhos tem consequências sobre a vida profissional - e na independência financeira - das mães. É importante lembrar que olhar para os índices de ocupação materna não é apenas uma questão de finanças pessoais. Mulheres que dependem economicamente de seus parceiros vivem em estado maior de vulnerabilidade: têm menos recursos para se desvencilhar de relacionamentos abusivos ou quebrar o ciclo da violência doméstica, por exemplo.
No Brasil, metade das mães está longe do mercado de trabalho quando seus filhos completam dois anos de vida - a maior parte delas porque foi demitida. Na origem desses problemas está o fato de que, historicamente, mulheres terem sido as únicas responsáveis pelos cuidados com os filhos. Para que o trabalho não-remunerado não recaia totalmente sobre elas, diversos países desenvolveram políticas públicas de incentivo à paternidade ativa e à divisão de tarefas domésticas. A licença parental talvez seja a mais famosa delas. A ideia é dar condições para que homens e mulheres possam dividir os cuidados com os filhos já desde o primeiro dia de vida - já que é muito difícil quebrar o padrão depois que a mulher já tenha assumido a maior parte dos trabalhos.
Um estudo que analisou os dados de 130 mil pessoas em oito países europeus concluiu que as licenças parentais exercem, sim, efeitos sobre a participação paterna dentro de casa. Homens que se afastam do trabalho quando seus bebês nascem também gastam mais horas cuidando dos filhos anos depois, o que inclui tarefas relacionadas às crianças, como cozinhar. Os efeitos são especialmente fortes nos países em que a licença é bem remunerada e onde há os meses de uso exclusivo para homens(13). Nessas nações, as mulheres retornam mais ao emprego e continuam economicamente ativas mesmo depois de ter filhos(14).
Uma vez afastados do trabalho, as chances são maiores de que os homens, em alguma medida, também botem a mão na massa nas tarefas domésticas. A distribuição do trabalho doméstico é uma das barreiras mais resistentes à mudança ao longo das décadas. No Brasil, por exemplo, mulheres passam 21,3 horas por semana em afazeres do lar, contra apenas 10,9 dos homens(15). Esforços para diminuir essa lacuna são bem-vindos. Uma pesquisa norueguesa, por exemplo, concluiu que homens lavam mais roupa depois de terem tirado licença parental(16). Um estudo americano (onde licenças oficiais sequer existem) mostrou que, se o pai ficar pelo menos duas semanas em casa, a probabilidade é muito maior de ele ainda estar trocando as fraldas dos filhos nove meses depois(17). Outro estudo alemão concluiu que a participação dos homens nas tarefas domésticas aumenta depois da licença parental, principalmente se o pai tirar algum tempo de licença sozinho com a criança, sem a mãe(18). Criar o hábito parece ser um passo importante.
Quando a licença se torna popular, seus benefícios acabam se estendendo para outras dimensões. Na Suécia, por exemplo, 90% dos homens entra de licença. Por lá, não dá para pressupor que apenas mulheres irão se afastar do emprego quando tiverem filhos - e deixa de fazer sentido privilegiar homens nas entrevistas de emprego. “Quase todas as pessoas têm filhos na Suécia, apenas 15 a 20% da população chega aos 50 anos sem filhos. Então, se você estiver contratando alguém por volta dos 30 anos, nem precisa perguntar se ela pretende ter filhos e interromper a carreira em algum momento. Você sabe que isso vai acabar acontecendo”, diz Ann-Zofie Duvander, professora de demografia da Universidade de Estocolmo.
Para as mulheres
Se olharmos para a licença parental apenas pelo viés econômico, é preciso lembrar que mulheres são trabalhadoras altamente qualificadas. No Brasil, elas têm níveis educacionais mais altos do que os homens - são, inclusive, a maioria a concluir o ensino médio e os cursos superiores. Logo, mantê-las afastadas do mercado para que se dediquem apenas à atividades domésticas é um erro estratégico e um desperdício de mão de obra qualificada. A Suécia, referência em políticas públicas para a família, percebeu isso há cinco décadas. “No fim dos anos 1960, a economia sueca estava indo muito bem, se expandindo e precisando de trabalhadores especializados. Foi aí que o governo percebeu que realmente precisava das mulheres. A licença parental foi criada em 1974 focando a igualdade de gênero, mas também pensando na força de trabalho feminino”, diz Ann-Zofie Duvander, professora de demografia da Universidade de Estocolmo.
Além dos benefícios para homens e mulheres, a introdução da licença parental e de outras políticas públicas de incentivo à família podem render impactos positivos na economia. Para isso, vamos olhar novamente para a Alemanha. Atualmente, 71% das mulheres são economicamente ativas por lá, um número que tem crescido constantemente. Um estudo calculou que, se os incentivos nas políticas para a família continuarem até 2030 no mesmo ritmo de hoje, 78% das mulheres estejam trabalhando até lá. Isso representaria um acréscimo de um milhão de pessoas ativas na economia - gerando por volta de 70 bilhões de euros a mais, e um crescimento de 2,4% no PIB da quarta maior economia do mundo(19).
Outro estudo alemão olhou para investimentos na educação. A pesquisa, produzida pela Fundação Bertelsmann, mostra que um investimento de 10 bilhões de euros na criação de creches e escolas de período integral acabam gerando, em 30 anos, um retorno para a economia de 56 bilhões de euros, ou 1,9% do PIB(20). Ou seja, é um investimento que traz um retorno maior do que aquilo que foi gasto. Mas também funciona em países com uma realidade um pouco mais parecida com a nossa, como a África do Sul. De acordo com um estudo da ONU Mulheres, a criação de pré-escolas para todas as crianças aumentaria a participação das mulheres no mercado de trabalho em 10% e geraria um retorno de US$ 3,8 bilhões para o país(21).
Para as empresas, o retorno também pode ser sentido. Uma pesquisa americana concluiu que a existência de licença parental dentro de empresas é mais efetivo para aumentar a participação das mulheres em cargos de chefia do que a criação de cotas para mulheres, por exemplo(22). Empresas que investem em benefícios que facilitem a conciliação da família com o emprego - como horários flexíveis, a possibilidade do trabalho remoto, gestores capacitados para essas demandas, creches próprias, além de licenças estendidas - podem alcançar um retorno de 40% no rendimento de suas ações.(23) Essa diferença surge no aumento da produtividade, na queda de pedidos de demissão, na diminuição do número de faltas e na contratação de trabalhadoras qualificadas: mães.
Bibliografia:
1. BMFSFJ. “Väterreport: Vater sein in Deutschland heute”. 2018
2. Rehel, E. M. (2014). When Dad Stays Home Too: Paternity Leave, Gender, and Parenting. Gender & Society, 28(1), 110–132
3. Cabrera, N. J., Fagan, J., & Farrie, D. (2008). Explaining the long reach of fathers' prenatal involvement on later paternal engagement. Journal of marriage and the family,
4. VAN DER GAAG, N., HEILMAN, B., GUPTA, T., NEMBHARD, C., and BARKER, G. (2019). State of the World’s Fathers: Unlocking the Power of Men’s Care. Washington, DC: Promundo-US
5. Vicky Phares, Elena Lopez, Sherecce Fields, Dimitra Kamboukos, Amy M. Duhig, Are Fathers Involved in Pediatric Psychology Research and Treatment?, Journal of Pediatric Psychology, Volume 30, Issue 8, December 2005, Pages 631–643
6. “O novo papel do pai: a ciência desvenda o impacto da paternidade no desenvolvimento dos filhos”, Paul Raeburn, Martins Fontes, 2015
7. Silveira, Francisco José Ferreira da, & Lamounier, Joel Alves. (2006). Fatores associados à duração do aleitamento materno em três municípios na região do Alto Jequitinhonha, Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 22(1), 69-77.
8. Cabrera, Natasha & Shannon, Jacqueline & Tamis-LeMonda, Catherine. (2007). Fathers' Influence on Their Children's Cognitive and Emotional Development: From Toddlers to Pre-K. Applied Developmental Science - APPL DEV SCI. 11. 208-213.
9. Pancsofar, N., Vernon-Feagans, L., & The Family Life Project Investigators (2010). Fathers' Early Contributions to Children's Language Development in Families from Low-income Rural Communities. Early childhood research quarterly, 25(4), 450–463.
10. Sarkadi, A. , Kristiansson, R. , Oberklaid, F. and Bremberg, S. (2008), Fathers' involvement and children's developmental outcomes: a systematic review of longitudinal studies. Acta Pædiatrica, 97: 153-158.
11. Budig, M., & England, P. (2001). The Wage Penalty for Motherhood. American Sociological Review, 66(2), 204-225.
12. Henrik Kleven & Camille Landais & Johanna Posch & Andreas Steinhauer & Josef Zweimüller, 2019. "Child Penalties across Countries: Evidence and Explanations," AEA Papers and Proceedings, vol 109, pages 122-126.
13. Boll, Christina & Leppin, Julian & Reich, Nora. (2011). Einfluss der Elternzeit von Vätern auf die familiale Arbeitsteilung im internationalen Vergleich.
14. Maternity and paternity at work: Law and practice across the world, International Labour Organization, 2014
15. “Outras Formas de Trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua”, IBGE, 2019
16. Andreas Kotsadam, Henning Finseraas, The state intervenes in the battle of the sexes: Causal effects of paternity leave, Social Science Research, Volume 40, Issue 6, 2011, Pages 1611-1622
17. Lenna Nepomnyaschy & Jane Waldfogel (2007) Paternity leave and fathers’ involvement with their young children, Community, Work & Family, 10:4, 427-453
18. Buenning, Mareike. (2015). What Happens after the ‘Daddy Months’? Fathers’ Involvement in Paid Work, Childcare, and Housework after Taking Parental Leave in Germany. European Sociological Review.
19. Zukunftsreport Familie 2030. Prognos AG (2016)
20. Bertelsmann Stiftung. “Öffentliche Investitionen und inklusives Wachstum in Deutschland”. 2017. Pp. 20.
21. VAN DER GAAG, N., HEILMAN, B., GUPTA, T., NEMBHARD, C., and BARKER, G. (2019). State of the World’s Fathers: Unlocking the Power of Men’s Care. Washington, DC: Promundo-US.
22. Noland, Marcus & Moran, Tyler & Kotschwar, Barbara. (2016). Is Gender Diversity Profitable? Evidence from a Global Survey. SSRN Electronic Journal.
23. Bundesministeriums für Familie, Senioren, Frauen und Jugend (BMFSFJ). “Renditepotenziale der neuen Vereinbarkeit”, Studie der Roland Berger GmbH. 2016
Neste e nos outros textos do projeto, a Alemanha é referenciada como comparação, porque a pesquisa foi conduzida na Universidade Livre de Berlim, como parte do German Chancellor Fellowship, da Alexander von Humboldt Stiftung.
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